quarta-feira, 13 de julho de 2022

08/05 - A VIÚVA DO PESCADOR

Saber esperar é uma grande virtude. A esperança é uma das pedras Basilares da vida. Esta é uma história triste, mas ainda assim, é preciso não perder a esperança.

Era uma bela mulher, mas não era tanto a sua beleza que despertava a atenção de Jaime. Era sim a aura de mistério que a rodeava. Os seus longos cabelos negros esvoaçavam ao vento acompanhando os movimentos de um simples vestido comprido da mesma cor. Negro não é cor de Verão, por isso distinguia-se por entre a multidão que caminhava junto à praia. – Uma andorinha no meio de pombas brancas. – Pensava Jaime. Ali estava ela todos os dias sentada num rochedo olhando o mar. Apenas olhando o mar. Nada mais à sua volta interessava. Seria assim tão obcecada pela natural beleza do imenso oceano? Camões chamava às águas do Tejo as suas musas de inspiração, as suas “tágides”. Será que o mar inspirava aquela mulher para alguma criação artística? Um fulano de meia idade, calvo e de olhar sonhador, costumava andar por ali com caneta e bloco a desenhar tudo o que via, mas não era credível que aquela mulher evocasse qualquer ninfa. Tudo isto eram interrogações que anuviavam o cérebro de Jaime. Costumava sentar-se à sombra de uma frondosa árvore naquela hora pachorrenta de maior calor. Lá estava ela no rochedo em frente. Algumas vezes tentou chamar-lhe à atenção sem qualquer resultado. Um dia resolveu pedir informações a um velho homem do mar que também aproveitava a sombra da árvore.
- Aquela rapariga é de cá?
O homem de rosto crispado pelo ar marítimo puxou uma fumaça do cigarro e olhou Jaime com curiosidade.
- Qual rapariga?
- Aquela ali sentada. A do vestido preto.
- A Joanita? É de cá sim.
Uma onda de tristeza inundou o rosto do velho pescador. Abanou a cabeça murmurando.
- Pobre menina... coitadinha da nossa menina.
- Porque fala assim!?
- É uma história triste, a história da nossa menina.
- Está a deixar-me curioso.
- Olhe para ela. Que é que acha dela?
- Para começar é muito linda, mas um pouco triste e solitária. Não tem amigos, nem amigas!? Um namorado!?
- Teve isso tudo. Fui colega do pai dela na pesca. Era um valente marinheiro. Muitas vezes estivemos perto da morte, mas nunca vi medo naquele homem. Conheço a Joanita desde o berço. Cresceu e transformou-se na mais bela rapariga que esta terra já viu. Herdou a fibra do pai. Chegou a ir com nós para o mar. Foi assim que namorou e casou com o Rodrigo: um valente rapaz. Só se sentia bem no mar. Há coisa de três anos, o Rodrigo embarcou no arrastão “São Tiago”. Uma tempestade medonha afundou-o. Os corpos, dele e dos restantes tripulantes, nunca foram encontrados.
Lágrimas de dor sulcavam o rosto do homem.
- Se não quer recordar coisas tristes deixe lá senhor.
- Eram todos meus amigos. Compreende? Agora quero contar o resto. A Joanita não aceitou a perda do marido. Não aceitou nessa altura nem nunca. Que é que acha que ela está ali a fazer todos os dias?
Jaime olhou para ela. Passou as mãos pelo rosto e com olhar incrédulo perguntou.
- Não me diga que é o que eu estou a pensar!
- É sim meu jovem. A Joanita passa os dias ali sentada à espera que o “São Tiago” surja no horizonte com o seu Rodrigo.
- É incrível! Não há ninguém que a faça desistir dessa espera inútil!?
- Já muitos tentaram falar com ela, mas não vale a pena. No fundo até é melhor assim.
- Melhor assim como!?
- É a esperança que mantém a nossa menina viva. Mesmo sendo uma esperança falsa é sempre uma esperança.
- Acho que é mais um estado de loucura.
- Alguém consegue dizer o que é a loucura? Acredite nisto: diz o povo que “enquanto há vida há esperança”. É uma grande verdade, mas também só há vida enquanto houver esperança. Ou, se quiser chame-lhe fé.
Meses mais tarde Joana desapareceu sem deixar rasto. As autoridades procuraram por todo o lado acabando por desistir. Falou-se em suicídio, rapto ou qualquer horrível acidente. Entre os pescadores há coisas que se contam. Dizem que numa noite alguém viu um arrastão aproximar-se da praia envolto em nevoeiro. Alguns afirmam e juram que a silhueta do navio correspondia ao São Tiago. Um vulto escuro, de cabelos negros ao vento, correu pelo areal, mergulhou no mar e nadou vigorosamente até à embarcação. Pouco depois uma inesperada rajada de vento dissipou a neblina e ficou apenas o mar. o imenso mar salpicado de pontos prateados feitos de raios de lua. São coisas que se contam.

Fim

Sem comentários:

Enviar um comentário