quarta-feira, 13 de julho de 2022

08/06 - O AFOGADO

“Há mar e mar, há ir e voltar.” Também há ir e não voltar e nem
sempre é pior por isso.

Uma chuva miudinha atrapalhava as férias de Verão. O mar encrespado obrigava a que se colocasse a bandeira vermelha nos mastros da praia. Os veraneantes andavam desolados pelas ruas da cidade naquelas figuras burlescas: calções, chinelas e guarda-chuva. À tarde, o tempo mostrou que afinal estávamos em Agosto. O sol rompeu a camada de nuvens, a temperatura subiu e os banhistas invadiram a praia. Só o mar é que continuava revolto proibindo o banho refrescante.
Pedro estava no seu posto mais atento que o costume. Era nadador salvador há dez anos e sabia, por experiência, que era nestes dias que os acidentes mais aconteciam. Havia sempre um esperto que desafiava a as forças da natureza. Apesar da sua atenção algo lhe escapou. Foram só uns poucos segundos enquanto observava a velha traineira “Florbela” que se aventurava naquele mar em reboliço. Quando voltou a vigiar os banhistas viu um indivíduo que nadava de encontro às enormes ondas tocadas pelo vento noroeste. Correu para a beira-mar soprando no apito a plenos pulmões. Ele parecia não ouvir. Parecia mais um louco, um suicida de que alguém no seu juízo normal. Foi buscar a bóia de salvamento. Em menos de um minuto já só via os braços do desgraçado a debaterem-se contra a fúria do mar. atirou-se à água. Em braçadas vigorosas dirigiu-se ao homem em apuros. A sequência de altas ondas e as fortes correntes desafiavam os seus limites. Depressa compreendeu que apenas lhe restavam forças para regressar à praia. Ainda assim mergulhou para ver se via a vitima. As areias em reboliço embotavam-lhe a visão. Tentou voltar a terra firme, mas uma vaga mais forte deixou-o inconsciente. Ainda sentiu uma mão que lhe segurava o pulso antes de desfalecer.
Quando abriu os olhos viu dezenas de rostos bronzeados que o olhavam com curiosidade. De joelhos na areia estava o seu velho amigo Diogo. O homem que lhe ensinara a lidar com o mar. sorria para ele com os dentes podres. Quarenta anos de tabaco deixam as suas marcas.
- Então pá!? Ensinei-te a salvar pessoas e não a morrer afogado.
- Mas não salvei ninguém. Pois não? O homem? Conseguiste tu?
Diogo fez uma cara de profunda tristeza.
- Não. Não consegui eu, nem ninguém conseguiria com um mar assim.
- Recuperaram o corpo?
- Ainda não. Já alertei as autoridades. Vão começar as buscas.
Pouco depois a praia, normalmente sossegada, estava invadida por policias, bombeiros, botes da marinha e até um helicóptero que sobrevoava as águas. O tenente da P.S.P comandava as operações seguido de perto pelo comandante dos bombeiros.
- Mas ninguém conhece o homem? Não tem família? Estava sozinho na praia?
O comandante dos bombeiros encolheu os ombros, mas um cabo ofegante apareceu com respostas prontas.
- Chefe. Já temos dados completos sobre o afogado.
- Como conseguiste?
- Foi o companheiro de cela que veio ter comigo. O homem está em choque.
- Companheiro de cela!?
- Sim. São dois reclusos que tiveram direito ao fim de semana por bom comportamento. Já telefonei para a penitenciária a confirmar.
- E então? Que dizem eles?
- Joaquim Lourenço. Cumpre pena de doze anos por tráfico de droga. Não tem família e ainda lhe faltam dez anos.
- Não me parece. Acho que já pagou por todos os crimes da pior maneira. Já que não há pena de morte, a natureza encarregou-se de aplicar a sua justiça.
As buscas continuaram durante três dias, mas nem sinais do corpo. É possível que alguma forte corrente o tenha levado para longe. Poderá ainda dar á costa naquela praia ou em outro ponto qualquer. Dizem os pescadores que o mar devolve tudo aquilo que não lhe pertence. Certo é que Joaquim Lourenço pagou com a vida por desafiar o mar.
Joaquim Lourenço estava sentado na esplanada olhando as águas límpidas do Oceano Pacifico. Sorria e tinha bons motivos para sorrir ao pensar como fora fácil passar de uma cela para aquele paraíso. Primeiro foi preciso “comprar” o mestre João Baptista, comandante da traineira “Florbela”. O homem mostrou-se reticente até lhe falar num milhão de euros. Depois foi aquele mergulho no mar bravio. Para um nadador como ele foi relativamente fácil chegar à traineira sem ser notado enquanto aquele nadador salvador lutava pela vida dele e pela própria. A velha mas sólida traineira levou-o até ao luxuoso iate do seu patrão e amigo: o colombiano Hortênsio Fernandez, barão da droga. Era ás custas dele que estava instalado naquela bela ilha enquanto lhe tratavam de toda a documentação para adquirir uma nova identidade. Um dia ainda haveria de passar férias naquela praia portuguesa que o viu “morrer”. A ideia arrancou-lhe uma ruidosa gargalhada enquanto levantava os olhos para melhor ver a bela Haitiana que se aproximava com duas bebidas e um sorriso.

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